O PORTO DAS CANOAS, E A NOVA CONJUNTURA ECONÔMICA E SOCIAL A PARTIR DE 1930.
Luciano Braga Ramos
INTRODUÇÃO
A queda do Império do Brasil no final do século XIX, e a proclamação da República, não significou para a sociedade brasileira de uma maneira geral mudanças significativas no âmbito econômico e social, apenas representou no início do século XX a confirmação e aumento do poder das oligarquias rurais, essas mesmas que ambicionavam o poder político, e geravam várias disputas partidárias pelas regiões do país, entravando a modernidade e industrialização concentrando a renda no campo e em mãos de poucos e mantendo relações de trabalho não capitalista, no sentido de negar direitos e mantendo peões sub assalariados.
No início dos anos de 1930 ocorrem mudanças políticas importantes, que vão mudar o Brasil economicamente e socialmente, com o aparecimento de uma classe média, o incentivo da indústria, o interesse dos políticos de manipular as oligarquias rurais favorecendo parcialmente a ascensão de uma burguesia capitalista. Onde no Rio Grande do Sul, vai ser evidente as transformações nos modos de produção e nas forças produtivas.
O modo de produção corresponde à forma como uma sociedade utiliza seus recursos naturais, transformando-os, para formar assim, através das relações sociais, a base econômica de sua sociedade, pelo desenvolvimento das forças produtivas que são o condicionador do desenvolvimento produtivo. Pois de acordo com Marx, até certo momento as forças produtivas determinam as relações de produção. Porém o desenvolvimento das forças produtivas levaria a uma contradição crescente em relação ao modo de produção, que a partir de certo momento passariam a ser obstáculos a sua expansão. [Marx, 2002, p. 50]. No Rio Grande do Sul, até 1930, com um modo de produção pré capitalista, com o emprego de recursos precários para a produção de manufaturas.
Essa é uma visão geral da situação brasileira no início do século XX, que se transporta para um contexto regional e dentro do município de Gravataí, e que se tornam para o entendimento e interesse pelas mudanças que partiram do modelo nacional e afetaram a vida da população local, mudando aspectos econômicos e sociais, inserindo Gravataí que antes era local onde predominava uma agricultura de aspecto colonial e um meio de transporte para escoamento da produção, como o porto das canoas, que atendia as exigências desse transporte tanto de mercadorias como coletivo, para uma agricultura capitalista e industrializada que aos poucos foi mudando os modos de trabalhos locais que até os anos de 1950, vai cada vez mais atingir índices capitalistas de produção.
1. GRAVATAÍ DA DÉCADA DE 1930
Não é novidade para ninguém que devido à precariedade das estradas brasileiras, problema esse que sempre foi patente nas nossas cidades e interior, em Gravataí ate a década de 1930, seu acesso à capital, assim como seu processo de transporte e escoamento da produção se tornava praticamente inviável por via terrestre. Então o Rio Gravataí, foi uma via geograficamente importante para o desenvolvimento da cidade, desde seus primórdios, e até ao anos 40 do século XX.
"Uma visão geral da evolução histórica do sistema de transporte no Brasil, entre 1850 e 1950, mostra-se sua precariedade. [...]. Ate o advento das ferrovias as mercadorias eram tradicionalmente levadas aos portos em lombos de burros, cuja utilização decrescia na medida da entrada daquele novo meio de transporte na região produtora. Entre tanto, a expansão da rede ferroviária, apesar de relativamente rápida em termos absolutos cobria uma área de fato pequena. [...] em 1948 são muito pouco se levar em consideração os milhões de quilômetros quadrados do território do país," [Linhares, 1990, p. 308].
A região de Gravataí onde na década de 1930 acha-se o Porto das Canoas é destituído de vias férreas e estradas de rodagem, (a primeira estrada e de 1934 ligando o município à capital). Porém o tipo de produção agropecuária dessa região tem seu escoamento garantido satisfatoriamente pelo Porto das Canoas com suas embarcações tocadas à vara e com as denominadas gasolinas, transportando produtos e pessoas até a capital. Dava-se também bastante importância para as carretas de boi que era como se transportava os produtos das propriedades até o centro de Gravataí, onde eram vendido aos comerciantes, proprietários das tulhas, que eram deposito e armazéns na praça central da cidade, de onde eram reembarcadas em outras carretas para serem transportadas ate o Porto das Canoas, e dali eram embarcadas rumo à Porto Alegre. (ainda hoje é possível verificar no local onde era o porto, os alicerces das tulhas e depósitos, assim como as muretas de atracarem as embarcações às margens do porto no local conhecido atualmente como Passo das Canoas.
" As gasolinas traziam mercadorias para os comerciantes que tinham depósitos no Porto das Canoas como, Pedro Dutra, Acácio Soares, Ary tubbs e outros." [Rosa, 1987, p.80]. O grande destaque era dado para a farinha de mandioca produzida nas inúmeras atafonas espalhadas pelo município, ate os anos de 1930 foi o motor da economia de Gravataí, e esse tipo de mercadoria fazia parte de uma pecuária com características coloniais com técnicas rudimentares de produção, que por fatores políticos e econômicos, ocorridos a nível nacional , com A Revolução de 1930 vai começar a ressentir-se a partir de 1940, enquanto outros produtos de uma agricultura capitalista voltada para os interesses econômicos nacionais vão encontrar incentivos, numa modernização ou renovação das forças produtivas, que emanam do centro para periferia. Assim como a nova conjuntura governamental, a nível nacional que se da com a ascensão de Vargas à Presidência da República.
"Ao iniciar-se a Nova Republica, o Rio Grande do Sul [...] com sua economia [...] baseada na agropecuária abastecedora do mercado interno nacional e, secundariamente do comercio internacional. [...]. "celeiro do país" atribuído ao Rio Grande do Sul. [Pesavento, 1980, p.51].
Nesse sentido o Porto das Canoas foi essencial até os anos de 1930 e 1940, porque era e sempre foi até esse período, adequado com a realidade econômica e social local. Porém os anos trinta é um momento de transição nas antigas relações agrárias, e também com o crescimento das industrias no Brasil, e o aparecimento tanto da classe média, como a classe operária, sobre tudo na região paulista, o mercado sul riograndense na ótica do Governo Federal tem que se tornar definitivamente o "celeiro do Brasil", sendo assim introduzida e incentivada uma agropecuária dentro de um viés capitalista. Desmancham assim as praticas de cultivos de produtos do período colonial, que eram menos lucrativos e não atendiam as exigências e necessidades nacionais, o governo financia o plantio de produtos como feijão, arroz batata, soja e fumo em folha, provenientes de uma agricultura capitalista.
"Antes de 1930, apresentava-se o quadro de um governo oligárquico e de uma fração das camadas dominantes agrárias, após 1930, encontra-se um governo para a "burguesia", no atendimento aos problemas nacionais. [...] no decorrer deste processo, a industria ia se aprimorando como a nova e predominante força de acumulação de capital." [Pesavento, 1980, p.49].
Pode-se perceber até aqui os fatores e mudanças políticas e econômicas que acabaram por tornar o Porto das Canoas inviável ao escoamento da produção. Ou seja não era possível transportar arroz por exemplo em pequenas embarcações, pois essa é uma cultura em larga escala, não como a farinha de mandioca que poderia ser transportada em pequena quantidade, pios podia ser estocada em armazéns no porto, já o arroz precisa de silos mais sofisticados, nem se fala no gado , este só por terra para chegar ao matadouro em Porto Alegre. Pode-se observar na obra de Jorge Rosa, [1987, p.80] a fotografia de uma trilhadeira da Granja São Luiz, datando de 1950, atravessando o Passo dos Negros entre Gravataí e Viamão, dando mostras da introdução de inovações para a produção do arroz.
Essas novas culturas vão precisar além de incentivos fiscais, da produção de novas forças produtivas, pois já que representa uma mudança considerável no modo de produção, que antes era praticamente uma produção colonial, e agora estava se tornando uma produção para o mercado capitalista. E o Porto das Canoas enquanto força produtiva que pertencia a um modo de produção que se encontrava em vias de transformação, vai acabar gradativamente, sendo superado por novas forças produtivas que estão se estabelecendo dentro de um sistema econômico que esta em fusão, devido à tão conhecida capacidade dinâmica de superação dos modos arcaicos de produção, que sempre tendem a serem engolidos pelo modo de produção capitalista.
"[...] governo Flores da Cunha, desde 1932, fora uma política de desagravação fiscal. [...], destacando seu empenho no desenvolvimento de instituições públicas, saúde, criação do Instituto de Previdência do Estado(IPE), construção de estradas de rodagem, reparação de pontes, prolongamento de vias férreas, [...] início da construção do Frigorífico da Capital [...] matadouro modelo e do entreposto de leite de Porto Alegre." [Pesavento, 1980, p. 124; 137].
Estão ai desencadeadas as forças produtivas desse período, que substituem as antigas dentro do município de Gravataí, que por conseqüência vão alterando seu modo de produção, sobretudo chamam a atenção para a construção de estradas e pontes ligando a cidade à capital, em 1934, promovido por Flores da Cunha. O foco produtivo agora por esses novos caminhos será, o gado, o arroz, e o leite, produto que atendem a nova ordem economia, alem da estrada pavimentada servir ao transporte de pessoas.
Assim o Porto das Canoas vai perdendo sua significação econômica e em conseqüência social, porém segundo dona Terezinha oliveira, filha de Adão Duarte, que trabalhou nas embarcações do porto na primeira metade do século XX em entrevista ao Correio de Gravataí em 2006, confirma o funcionamento do porto ate 1948, transportando tijolos, telhas, verduras e outros produtos de pequeno porte, ate ser consumido pelas novas tendências e rumos que a economia e a sociedade foram tomando de 1930 em diante, com aspectos de modernização irreversíveis para Gravataí, que começa ai seu caminho ao crescimento dentro da nova ótica política nacional, e para o presente resta-nos tentar salvar os objetos , os documentos e as falas desses personagens, para construirmos a partir dessas memórias e objetos da cultura dessa época a historia e identidade de povo de Gravataí.
2. MEMÓRIA DAS ÁGUAS, 1948, O FINAL DO PORTO
A Cultura de uma época, de determinado grupo, seja cultura material ou imaterial, chega até nos pelas representações do passado, que se preservam na nossa sociedade pelo interesse que membros de uma sociedade tem em mantê-las, pios isso depende de um intrincado jogo de poder e interesse de parte da sociedade. É por esses vestígios de cultura de uma determinada sociedade, que se estabelece ou se constrói a Memória.
Memória pode ser considerada como representação do passado, lembranças de quadros sociais significativos, que servem de ponto de referencia do grupo que a mantém viva no presente. Pois a memória só chega viva ao presente, se há o interesse de grupos em mantê-la para a construção de uma identidade social. A Memóriaé resgatada pelos objetos materiais e testemunho oral.
A relação entre Cultura e Memória, se processa pela construção da identidade de Memória de um grupo, associado à produção cultural de representante quadro social significativo. A Memória mantém vivo os traços culturais do grupo para o presente, servindo para explicar a dinâmica cultural da sociedade. A Memória pela preservação dos traços culturais serve de suporte para a História, que vai selecionar, questionar, e refletir sobre as Memórias. "A Memória por seus laços afetivos e de pertencimento, é aberta em permanente evolução e liga-se a repetição e à tradição, socializando a vida do grupo social. A História ao contrario, dessacraliza a Memória, constituindo-se tão só em representação do passado." [Felix, 1998, p.43].
Nesse sentido escrever sobre a História do Porto das Canoas, dando voz para esses agentes preservadores dessa Memória pela tradição oral, é a contribuição essencial para se construir a História a partir dessas representações tanto orais como materiais. Assim sendo através das falas desses agentes, com aquilo que ainda podemos contar, como vestígios materiais, busca-se preservar a Memória coletiva dessas pessoas e de seu passado, de maneira que se possa auxiliá-los na construção de suas identidades.
Pois se entende que falar sobre esse tema, assim como qualquer outro tema, não é analisar o fato simplesmente pelo fato, mas sim notar todos aqueles elemento que dão sentido para explicação histórica. Ou seja o Porto das Canoas foi constituído de cais, de armazéns, mas também de pessoas, de agentes sociais, que se relacionavam, que viveram determinado contexto histórico importante para nossa identidade, contexto esse que precisa ter suas representaçõesresgatadas, para não ficar no esquecimento.
E por outro lado assim preservamos um patrimônio material e imaterial, já que percebe-se que este tema os dois elementos, pelos documentos ainda encontrados e pela oralidade dos agentes ainda presentes, ou seja essa memória se constitui também enquanto patrimônio desde que não caia no esquecimento, e é esse nosso objetivo maior. Para Reginaldo Gonçalves (2003). Patrimônio pode ser entendido como: bens de natureza materiais e imateriais, tomados individualmente, ou em conjunto, como é o nosso caso, e são os portadores de referencia à identidade, à ação, à Memória dos grupos humanos.
Em nosso trabalho foi possível abordar tanto a História oral como a documental, assim como o patrimônio material, como, os documentos, bibliografias imagens e objetos desde muretas e alicerces no local do porto, como o patrimônio imaterial que se constitui na fala das pessoas que vivenciaram ou foram testemunhas desse passado, como é o caso de seu Adão Duarte e de sua filha Terezinha Oliveira que se disponibilizaram a relatar suas memórias para a construção desse registro histórico.
É a partir dessa oralidade que se percebe a importância desse trabalho em resgatar esse recorte significativo para essas pessoas, percebe-se em suas falas o quanto esse local foi importante para a economia da época, como constam nos documentos e como essas falas vão de encontro ao testemunho dos documentos oficiais. O jeito como dona Terezinha se referiu a seu pai, trabalhando nos lanchões tocados à vara, parece que estamos vendo a cena das embarcações chegando ao porto, assim como ouvindo o rangido das carretas de boi chegando aos armazéns do cais tamanho a veracidade daquela narrativa de pessoa que realmente se emociona ao tocar no assunto. Devido ao estado de saúde de seu Adão que se emociona facilmente, e sua avançada idade, 80 anos, deixamos a critério de dona Terezinha sobre o que seu pai quisesse falar e como falar, sobre sua vida no porto:
A: "Tinha bastante movimento, de chegada e saída de embarcações."
A: "Os produtos transportados de lá para cá eram areia e cascalho, daqui para la eram tijolos e farinha que eram transportados através de carretas puxadas a bois."
Quando ele se refere aos nomes das embarcações ele nos fala de três entre muitas.
T: "que ele lembra Santa Vitória do Palmar, Marina, Edi."
A: "Começou a diminuir os movimentos por volta de 1948."
L: E sobre as pessoas que trabalhavam no Porto?
T:"Algumas que ele lembra que trabalhavam Alcides [...]."
T: "Observação na época que meu pai trabalhava com 10 anos, os barcos eram tocados a vara.sendo assim muito difícil de navegar.
Anos mais tarde começaram a vir os barcos a gasolina e assim tudo ficou mais fácil."
T: "O meu pai também carreteava trazendo farinha da Vila Nova para cá." [Terezinha Gomes Oliveira; Adão Duarte, entrevista concedida a Luciano Braga Ramos acadêmico de Historia da UBRA Gravataí no dia 07 de abril de 2006].
Percebe-se o envolvimento dessas pessoas e como suas vidas foram durante bom tempo dedicadas à função econômica que o Porto exercia nesse local, e como era dinâmica para à época esse comércio e sua ligação com as cidades vizinhas e do interior e com a capital. Esse comércio movido aqui de idas e vindas, também nos aparece em registros de alfândega, que hoje se encontram no museu Agostinho Martha em Gravataí.
Nota-se pelas falas as relações entre comerciantes e trabalhadores, carreteiros, estivadores, donos de olaria, e navegadores, e como esse local servia também como ponto de trocas de noticias e informações, assim como experiências, nas relações humanas convenientes para a época, no que se refere à economia política e sociedade, já que ate ele vinham pessoas de Osório, Santo Antônio da Patrulha, Viamão , do próprio Gravataí é claro, ao mesmo tempo que chegavam pessoas de Porto Alegre, no transporte de passageiros, como médicos, advogados,,entre outros e também mercadorias para abastecer o mercado interno. [Rosa, 1987.].
Pela entrevista fica claro também as transformações e evoluções técnicas nos transportes, assim como a notável decadência do Porto por volta de 1948, comprovando que as bibliografias nos apontam, e como esse local vais perdendo uma significância como fator de circulação da economia e em conseqüência entrando no esquecimento.
Em 5 de fevereiro, de 2006 Terezinha Oliveira também concedeu entrevista ao Correio de Gravataí como já foi mencionado no inicio do trabalho. A moradora é dona de um comércio na comunidade do Passo das Canoas, reafirma suas memórias do tempo do Porto movimentado e de quando seu pai Adão Duarte trabalhava no Porto do Passo das Canoas.
"As recordações da moradora vão mais longe. Seu pai Adão Duarte, atualmente com 80 anos trabalhava no Porto do Passo das Canoas. "Meu pai carregava de tudo naqueles barcos. Levava para fora de Gravataí e quando voltava trazia outras cargas. Ele conta que o Passo das Canoas era muito movimentado." "Recorda" [Correio de Gravataí, 2006, p.17]. Local que ate então era uma artéria para o desenvolvimento dessa região, e agora a Memória busca recuperar essas representações para se fazer a História.
3. A FESTA DOS NAVEGANTES E O INÍCIO DA DÉCADA DE 1970
Gravataí, ainda freguesia foi fundada sob os cuidados da fé católica, e não poderia ser diferente, mas aqui a religiosidade se fez presente desde o inicio principalmente pela chegada de índios missioneiros após o Tratado de Madri e das Guerras Guaraníticas, que por sua vez também fossem desviados os rumos dos imigrantes açorianos, que devido à guerra na região das missões acabam se estabelecendo na região de Porto dos casais e circunferências, até o litoral norte, por motivos que já se conhece, tanto guaranis como açorianos nessa época já compartilhavam da mesma religião de modo geral, cultivando suas crenças e santos católicos.
Desde cedo o caminho do Rio Gravataí, isso já "em 1769, por ordem do governador José Marcelino de Figueiredo [...], segundo documento do século XVIII." [Rosa, 1987, p.26], que ordenou a abertura da primeira rua em Gravataí ate o Porto por onde se dirigiam as pessoas à capela de Viamão e de Rio Grande.
Desse modo já era interessante o movimento nesse local, mas, a ocasião aqui de citar esse aspecto é só para mostrar que as festas de Navegantes são antigas na região e pelo que se pode levantar, durante o século XX, foi anual as procissões de Navegantes apenas tendo sido encerradas em 1971 devido a construção de FreeWay, que praticamente passou em cima da paróquia. Moradores ainda recordam o tempo em que a imagem de navegantes ficava na Escola Anápio Gomes, onde realizavam as missas e ate comunhão.
"[...], sumiu a capela de Nossa Senhora dos Navegantes do Passo das Canoas. Sumiu também o salão paroquial e o Grupo Escolar Anápio Gomes, primeiro local onde a comunidade se reunia" [Correio de Gravataí, 2006, p.17]. Porem, em 1999, iniciaram novamente as comemorações e a renascença da memória dessa comunidade, ajudando a compreender o seu passado, para cultivar a tradição e dar continuidade a construção da identidade e identificação dos moradores, e assim passando a seus descendentes à cultura das procissões e sua crença e sua relação com a existência do rio e sua História local.
Ao mesmo tempo esses indícios a identificação e singularidade dessa comunidade em manter essa tradição portuária que se exerceu no rio e tudo que ambos representam de simbolismo e particularidades para nossa cidade.
"A imagem da santa ficava na Escola Anápio Gomes, onde aconteciam as missas, primeiras comunhões e as festas da comunidade. Depois construíram um salão e as festas passaram a serem feitas ali. Quando a nossa capela estava quase pronta, inventaram a FreeWay e mandaram derrubar tudo." "conta Terezinha." [Correio de Gravataí, 2006, p.17].
Assim com a derrubada e o fim desses locais pode se supor pelos relatos, que no momento a sensação da comunidade foi a de desterro, daquilo que para essa comunidade era parte de sua socialização, assim como o fim do Porto por volta de 1948 significou para essa comunidade uma ruptura em suas relações sociais, a procissão de Nossa Senhora dos navegantes, foi a continuidade dessa primeira fase de desterro da identidade cultural. Então em 1971, pode se considerar a segunda fase de desterro, pois, atinge aquilo que dentro de uma visão culturalista, é mais caro a seus indivíduos em quanto grupo, que é a destruição de seu lugar de culto, não da crença dessas pessoas, mas da destruição dos locais de socialização.
Sabemos que cultura não se decreta, mas sim é um processo longo e cumulativo de saberes a aprendizados materiais e imateriais que a humanidade compartilha entre grupos, entre povos, sem que se obrigue ninguém a nada."A coerência de um hábito cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence." [Laraia, 2005,p. 87]. Então a destruição desse patrimônio material, à igreja e o salão, destróem um longo processo social que não se pode simplesmente apagar da memória, tanto é que esse acontecimento pode-se dizer que foi um choque para a comunidade, com o desaparecimento de seus locais de celebração religiosa, tanto que a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes realizada na comunidade, desaparece por vinte e oito anos, voltando somente depois que a comunidade conseguiu se reabilitar pelo passar do tempo, do trauma da perca ou retaliação dos seus locais de sociabilidade.
"A comerciante ainda recorda da procissão de barco chegando pelo rio e, depois Nossa Senhora dos Navegantes sendo levada pelos moradores ate a capela: "A gente subia aquela estrada estreita rezando e cantando. Os foguetes explodiam quando a imagem chegava era muito bonito. E o Passo das canoas também tudo era calmo. Mas no dia da festa a cidade inteira vinha para cá participar da missa, do churrasco e do baile."Lembra." [Correio de Gravataí, 2006, p.17].
Não era simplesmente uma festa comunitária, pelo relato era uma festa para a cidade, que tinha sua atenção voltada para comunidade no dia santo. Pode-se dizer que foi tocado ,não só no sentimento das pessoas da comunidade, como com a cidade acostumada às festas, mexeu na religiosidade como já foi dito, e sobre tudo com a mentalidade das pessoas, já que fica evidente a crença da comunidade em Nossa Senhora dos Navegantes. Percebe-se a relação mais forte entre a fé, o rio e a comunidade, pios recorrem a sua padroeira na confiança de serem atendidos. "Ela salvou meu filho" afirma dona Terezinha, contando do nascimento prematura de Jorge seu filho mais velho, e com foi mandado para casa desenganado pelos médicos. Só restou a ela e seus familiares se apegarem à padroeira dos navegantes, e não por coincidência, é uma família, onde ela era filha de navegante e seu filho por conseqüência neto de tal, certamente pela sua fé a padroeira não os deixaria desamparados.
"[...] Jorge superou todas as doenças. Hoje é um pedreiro e carpinteiro respeitado no passo das canoas:"eu e minha mãe, Maria Lacy, nos dedicamos para cuidar do Jorge dia e noite. Ele era tão miudinho que a gente dava mamadeira com um conta gotas. Mas foi Nossa Senhora dos Navegantes quem salvou meu filho. Por isso Jorge dede pequeno acompanha a procissão." conta ela." [Correio de Gravataí, 2006, p. 17].
Hoje o retorno da festa de Nossa Senhora dos navegantes, mais que o retorno de uma comemoração católica entre tantas, é sem divida uma volta às origens e celebração da memória coletiva da comunidade do Passo das Canoas e da preservação histórica e cultural de um complexo cultural tão importante para toda a cidade de Gravataí, que em muitas circunstancias, pela mídia e imprensa, órgãos políticos, não procuram aprofundar o estudo sobre por menores da história, e sempre tentam ver as coisas de maneira ampla, enquanto nos cantos da nossa cidade muitas vezes esta caindo no esquecimento objetos de Memória importantíssimos para a construção da nossa História,. Se Gravataí, hoje é a cidade da qualidade de vida, é por que em seu passado pessoas assim como nós se preocuparam com o futuro. Então a partir de uma história, vamos dizer assim, não oficial procure-se dar voz para sujeitos que testemunharam de alguma forma o contexto pelo qual Gravataí e seu povo foram sujeitos e objetos dos acontecimentos políticos econômicos culturais e sociais que os anos de 1930 a 1970 foram palco.
Referência:
ADÃO, Duarte Terezinha Oliveira, pesquisa oral. Passo das Canoas, Gravataí. RS,2006.
Correio de Gravataí, Cultura, 23ª edição, 2006.
FÉLIX, Loiva Otero. História e Memória: A problemática da pesquisa. Passo Fundo: Ediupf,1998.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. [21-29].
LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005
LINHARES, Maria Ieda (orgn.).História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2002.
Museu Agostinho Martha. Gravataí. Rs. Documentos da 1ª metade do século XX.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. RS Economia & Poder nos anos 30. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.
ROSA, Jorge. História de Gravataí. Porto Alegre: Edigal, 1987.
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Porto das Canoas, Gravataí, História e Memória no Século XX publicado 5/02/2009 por Luciano Braga Ramos em http://www.webartigos.com
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